Dark kitchens: 'invisíveis' à fiscalização, cozinhas de entrega por app acumulam problemas sanitários, diz estudo da Unicamp

  • 21/12/2025
(Foto: Reprodução)
Cozinhas de entrega por app acumulam problemas sanitários, diz estudo da Unicamp Uma mulher cozinhando com o neto no colo, animais na cozinha, visitantes provando a comida e uma assadeira no chão para esfriar. Essas cenas são relatadas em um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que mostrou uma série de descumprimentos da legislação sanitária nas chamadas dark kitchens, cozinhas voltadas exclusivamente à venda de alimentos por delivery. O estudo, que conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi publicado na revista Food Research International. Ele foi conduzido e escrito pelo professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp e pesquisador do Laboratório Multidisciplinar em Alimentos e Saúde (LabMAS), Diogo Thimoteo da Cunha. Em 2024, os pesquisadores visitaram estabelecimentos do tipo em Campinas, Piracicaba, Limeira, Sumaré e Paulínia, no interior de São Paulo, para conhecer a realidade de quem está por trás das comidas entregues por aplicativos. 📲 Siga o g1 Piracicaba no Instagram Estudo aponta mistura de tarefas e uso de uma mesma mesa para vender e preparar alimentos Reprodução Esta é a segunda etapa de um estudo que já havia mapeado as dark kitchens da região. Com base nessa lista, os pesquisadores fizeram contato com representantes desses espaços e pediram para visitá-los. De 300 estabelecimentos contatados, 21 aceitaram receber a equipe. Segundo o professor que conduziu a pesquisa, esses empreendedores visitados atuam como parceiros do iFood e com plataformas próprias, que eles desenvolveram. Em entrevista ao g1, Diogo explicou que os alimentos vendidos são produzidos na mesma casa onde vivem as famílias responsáveis pelo negócio. Por isso, rotinas domésticas se misturam à rotina empresarial. “Não tem um momento de rotina familiar e um momento de rotina de trabalho. É tudo uma mistura de trabalho e família ao mesmo tempo", contou. Mesa de preparo de bolo Reprodução A seguir, alguns dos descumprimentos da legislação sanitária constatados: Alimentos preparados na mesma mesa onde a família faz refeições; Assadeiras de bolo colocadas no chão para esfriar; Papagaio e cães soltos no ambiente de preparo dos alimentos; Mesma mesa utilizada para manipular alimento, dinheiro, cartão e celular; Familiares visitando a casa enquanto a comida era preparada - e até provando; Pessoas dividindo a rotina do negócio com tarefas domésticas, sem higiene adequada das mãos; Uma mulher preparava alimentos enquanto carregava o neto no colo; Uso de ingredientes já abertos para consumo doméstico na preparação de itens vendidos por delivery. Por que descumpre a legislação? Diogo detalhou algumas situações observadas e o que diz a legislação sanitária. “Ele [papagaio] ficava solto na cozinha ele ficava solto cantando e voando lá, ele comia bolo - porque lá era um lugar de bolo - aí, ele comia o bolo, era assim. A gente colocou do papagaio, mas cachorro tinha muito, cachorro andando no ambiente de cozinha, que é expressamente proibido pela legislação sanitária, animais dentro do recinto onde manipula alimento”, explicou. Segundo ele, a presença de visitantes ou pessoas alheias à produção requer preparo. “Está escrito lá [na lei] que visitantes têm que ter toda a paramentação e todo o critério e rigor que os manipuladores de alimentos também tenham para visitar. Então, se não tem isso, eles não podem adentrar na cozinha”. Papagaio solto em cozinha onde são preparados os alimentos Reprodução Ele citou, ainda, o caso da pessoa que cuidava do neto enquanto cozinhava: “Imagina trocar uma fralda e voltar a manipular alimento. Então, combinações de trabalhos, de tarefas que não é permitido ter. Até na própria legislação sanitária, geralmente, o pessoal que fica na limpeza e higienização não é o pessoal que manipula alimento, porque você limpa ou você manipula alimento, justamente para evitar contaminação”. O pesquisador também comentou o uso da mesma mesa para manipular alimento, dinheiro, cartão e celular. "Celular era uso indiscriminado, até porque é a forma que eles utilizam para contato com o cliente [...] Então, eles estão o tempo todo mexendo no celular, o mesmo celular que leva ao banheiro. Mexe na comida, mexe no celular para pegar o pedido". Entrada por necessidade Diogo explicou que há dois perfis de empreendedores: os que entram no negócio por oportunidade - enxergando um nicho e se preparando - e os que entram por necessidade, geralmente devido ao desemprego ou à busca por renda extra. Segundo ele, os principais problemas estão relacionados aos que entram por necessidade. "Se ela já entra num cenário de necessidade, ela muitas vezes não vai preparada, ela não vai instrumentalizada para começar esse negócio. Então, ela desconhece legislação sanitária, ela desconhece a documentação. Já uma pessoa que viu uma oportunidade de negócio, como a gente viu em alguns casos, [...] elas já foram mais focadas ou elas já foram preparadas", comparou. Espaço de uma das dark kitchens visitadas Reprodução 'Invisíveis' à fiscalização Os pesquisadores também entrevistaram 443 fiscais sanitários, que relataram dificuldade para fiscalizar esses negócios por não haver um local físico aberto ao público e porque os aplicativos de entrega não exigem comprovação de endereço ou CNPJ no início das operações. "Você não precisa ter uma empresa, um registro de empresa de alimentação para adentrar na plataforma no primeiro ano. O iFood permite que você fique um ano cadastrado como CPF. [...] Você também fica invisível à Vigilância Sanitária, porque a Vigilância Sanitária não fiscaliza o CPF, ela só fiscaliza CNPJs", afirmou Diogo. O iFood negou que realiza cadastro por CPF nas cidades visitadas pelos pesquisadores (veja nota da empresa ao final da reportagem). Confiança do consumidor Por outro lado, 441 consumidores também responderam ao questionário e relataram acreditar que, se um restaurante está no aplicativo, cumpre as normas de segurança alimentar. "Minha crítica é que, a partir do momento que ela [empresa de aplicativo] deixa entrar na plataforma e o consumidor não tem noção de que isso [irregularidades sanitárias] acontece, ela cria um ambiente de segurança para o consumidor, que acredita que o vendedor que está ali tem toda a documentação, tem alvará sanitário, está tudo registrado", argumentou o professor. Diferentes tarefas são realizadas na mesa de preparo de alimentos, segundo o estudo Reprodução Como solucionar? Para Diogo, um dos caminhos é uma regulamentação clara para esse tipo de serviço. "Acho que o primeiro ponto é isso aparecer de forma mais explícita dentro das regulações, tanto a nível federal quanto nos níveis estaduais e municipais. Então, isso precisa aparecer de uma forma clara, que é um serviço reconhecido pelo sistema de Vigilância Sanitária, sujeito à fiscalização sanitária, e quais são as regras do seu funcionamento", avaliou. Ele sugeriu o aumento do nível de exigência de documentação, além de pedir e manter um pré-cadastro na vigilância, mesmo para CPFs. "Para que pelo menos ela conheça onde estão essas pessoas, conheçam onde estão esses lugares, ou pedir para que o iFood mandasse a lista de vendedores ativos numa certa frequência", completou. Forno utilizado por cozinha de entrega por app Reprodução O que diz o iFood Em nota ao g1, o iFood afirmou que exige que os estabelecimentos parceiros cumpram a legislação e as normais definidas pelos órgãos competentes, e negou o registro por CPF nas cidades citadas no estudo. Veja a nota na íntegra abaixo: "O iFood informa que exige que os estabelecimentos parceiros cumpram a legislação e as normas definidas pelos órgãos competentes, incluindo a manutenção de licença sanitária válida, que é necessária para o desenvolvimento da atividade. Como plataforma intermediária, o iFood conecta consumidores, restaurantes e entregadores, enquanto a fiscalização sanitária é de responsabilidade do poder público. O iFood adota mecanismos de monitoramento baseados nas avaliações dos consumidores, mantém protocolos rígidos para denúncias relacionadas à higiene e à segurança alimentar e pode aplicar medidas como advertências ou a suspensão temporária ou permanente de estabelecimentos conforme a gravidade e a reincidência. A empresa também mantém o Portal SIRA, canal disponível às autoridades sanitárias para a solicitação de informações sobre estabelecimentos cadastrados, em conformidade com a legislação de proteção de dados. Para se tornar parceiro no iFood o estabelecimento deve apresentar CNPJ válido com Classificação Nacional de Atividades Econômicas no ramo alimentício, conta bancária vinculada ao CNPJ. O iFood reforça que não está disponível o cadastro de parceiros com CPF nas cidades citadas pela pesquisa. Por fim, o iFood reforça seu compromisso em apoiar pequenos negócios e facilitar o acesso de restaurantes formalmente constituídos e regulares à digitalização, contribuindo para o desenvolvimento do setor e a ampliação de oportunidades para empreendedores." Cozinhas de entrega por app acumulam problemas sanitários, diz estudo da Unicamp Reprodução Veja mais notícias da região no g1 Piracicaba

FONTE: https://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2025/12/21/dark-kitchens-invisiveis-a-fiscalizacao-cozinhas-de-entrega-por-app-acumulam-problemas-sanitarios-diz-estudo-da-unicamp.ghtml


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